San Tiago Dantas

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05/08/1931

TRISTE FIGURA

Ninguém esperava do Sr. Assis Brasil,1 na pasta da Agricultura, qualquer renovação política ou administrativa, nem mesmo se atribuía à sua nomeação outro fundamento, que não fosse a expressão partidária da figura dentro do quadro da Revolução. Era o oposicionista histórico e o chefe libertador, que se punha nas altas posições de vitória, suportando conscientemente o seu peso, num departamento já de si condenado, pela premência das verbas, a uma atividade reduzida. Ali, ele seria o libertador, como outro seria o mineiro, outro o nortista, e assim por diante. E só era de lastimar que no caso não se pudesse associar a significação partidária à eficiência do homem, como se conseguira com o Sr. Mello Franco2 e com o Sr. José Américo.

No ministério, até aqui o velho e respeitável líder rio-grandense tem sido embaixador na Argentina, emissário ao sul, mas raramente ministro. Sua ação tem-se confinado nas atividades de Partido. E a opinião popular não raro deu-lhe uma figura de Nestor3 do Governo, espécie de conselheiro a quem recorreriam os ministros nas suas crises, e de quem viriam a experiência e o bom conselho.

Pois sempre se acreditou no Sr. Assis Brasil, sempre se atribuiu ao seu espírito independente e varonil uma lucidez singular. E a sua “ciência das urnas” sempre pareceu ao burguês desprevenido a taumaturgia da nossa regeneração.

Creio porém que se há uma figura que se tem gasto, nestes meses de governo provisório, tem sido a do ministro da Agricultura. Ninguém acometeu tão encapeladamente contra o poder, durante quartéis de século num país, para depois de instalado nele ficar tão silencioso e improfícuo, como o Sr. Assis Brasil. E ninguém mostrou tão despudoramente o vazio das suas ideias e a ignorância que tem do Brasil, como ele nas ocasiões que tem tido de falar à imprensa ou ao público, quer em caráter político, quer em caráter particular.

Ainda agora está o público edificado com o incrível discurso que o Sr. Assis pronunciou num banquete em sua homenagem, e onde depois de nos aconselhar a “não nos envergonharmos do Império”, de afirmar que “destinos da América (sic) impunham à nossa terra uma condição de vida em que os homens pudessem prosperar pela consideração do mérito”, e de citar Napoleão, “ainda que lhe repugne citar frases de um tirano”, depois de tudo isso, tece os louvores da frente única (realidade bastante forte para saltar aos seus olhos), e estuda um problema nacional, que ao que parece é de relevo suficiente para não poder ser por ele silenciado, e que é: o feminismo. Certamente não era isso o que se esperava. Nós estamos às vésperas da reconstrução política da Nacionalidade, e os problemas econômicos da própria alçada do ministro têm um relevo tão impressionante, que não seria crível que o titular da Agricultura não os abordasse, ainda que de longe, sobretudo já que pretendeu enveredar deliberadamente por um discurso político. De feminismo é que não poderia tratar. Pois a ninguém preocupa problema de tão requintada superficialidade, numa hora em que se sente que qualquer orientação do governo será resposta a tantos problemas descobertos e imperiosos.

Querendo “vestir saias ao seu discurso”, perdeu a seriedade o ministro.

Não tinha ele o direito de revelar aos que o leram com essa avidez com que se procura a opinião de todos os homens do regime a simplificação do seu modo de ver as profundas crises que dilaceram a vida presente e futura da nacionalidade.

Já não temos que aprovar ou reprovar, a sua têmpera senil de velho democrata. Temos é de exprobar a irritante superficialidade com que um homem corresponsável dos destinos do país, olha e trata os nossos problemas. Tão ingênuo que faz da borracheira da nossa campanha sufragista uma questão de Estado, sobre que se externa com cautelas de um ridículo patético. E tão primário, que atribui transcendências à famosa lei eleitoral, cuja importância – arruinada na sua economia, nas suas finanças, nos seus costumes e no seu espírito – é um supérfluo até mesmo sem efeitos paliativos, pois destinado a se corromper na primeira experiência, ao contato de realidades mais profundas.

É certamente trágico sabermos que no governo do país e na chefia das suas correntes políticas temos homens que dão exibições doutrinárias de tão alta desvalia. E mesmo para uma simples questão de respeito necessário à autoridade foi um desastre esse fim de banquete, onde um ministro de Estado faz uma tão triste figura.

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1 Assis Brasil (1857-1938), político gaúcho. Ministro da Agricultura de 1930 a 1932.

2 Afrânio de Mello Franco (1870-1943), político mineiro. Ministro das Relações Exteriores de 1930 a 1934.

3 Figura da mitologia grega, notabilizada pela sabedoria de seus conselhos.

A Razão, 05.08.1931.