San Tiago Dantas

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06/08/1931

PALAVRAS OFICIAIS

Lendo uma entrevista que o Sr. Abrahão Ribeiro1 concedeu a um matutino, lembrei-me vivamente das declarações que há meses fazia à imprensa o Sr. Vianna do Castello.2 O timbre das palavras oficiais não se alterou. Um parece mesmo a continuação do outro, como se entre eles nada tivesse passado.

Quando ministro da Justiça do Sr. Washington Luís vinha a público, dar-nos informações sobre a situação do País, nenhuma expectativa de surpresa havia nos que se abeiravam dos seus comunicados. Conhecia-se o estilo das palavras oficiais. Invariavelmente elas pintavam uma tranquilidade perfeita e uma operosidade dos governos, que deveriam “acalmar a população”. Desmentiam todos os boatos, desfaziam todas as dúvidas, mostravam-se possuídas de tal segurança ao noticiar e no julgar os fatos, que o Ministério parecia um órgão ubíquo da política, perscrutando todos os movimentos que se processassem no território nacional.

Esses comunicados do Sr. Vianna de Castello, caíram em pouco no ridículo, mas de fato eram um “sinal dos tempos”, que ninguém poderá esquecer quando estudar o grau de desagregação a que havia chegado a autoridade nas últimas horas da Primeira República. Indicavam o artificialismo reinante nas relações entre Governo e Povo, e traiam a “crise de autoridade” que impedia o Sr. Washington Luís de falar a verdade sobre os fatos, sem que o povo perdesse por isso a confiança nele, e o obrigavam a desfigurá-la para manter, em desespero, a sua autoridade e prestígio.

Quando a Revolução instaurou os seus poderes, pensaram os otimistas que com a mudança dos tempos mudariam também os seus “sinais”. E que íamos ter a verdade das palavras oficiais, traçando aos nossos olhos mesmo a dureza de certas situações. Porque as palavras de um governo refletem as suas condições internas. Fortes e claras, se ele está seguro, vivendo da própria energia, deitando as suas raízes na vida da nacionalidade; fracas e tímidas, quando ele está abandonado às incertezas de um equilíbrio precário, sem outras raízes que a atuação combinada e transitória dos partidos.

E realmente, de outubro para cá, o Governo Provisório e mesmo a interventoria do Sr. João Alberto, tiveram algumas vezes palavras claras e fortes. Firme sobre as armas e mesmo sobre a massa geral da opinião, o governo não precisava temer as simples notícias nem mesmo os comentários. A prova foi a censura benigna do tenente João Alberto sobre os jornais da cidade. Mas a prova principal foram certos comunicados e certas entrevistas, onde se sentiu que o espírito da verdade vinha dar novo sentido às palavras oficiais.

Infelizmente, não é isso que se sente nas palavras do Dr. Abrahão Ribeiro, digno secretário da Justiça do Sr. Laudo de Camargo, sobre a situação política e social de São Paulo. Em sua entrevista ontem o secretário do governo paulista revela, com uma triste evidência, o que todos nós, homens de imprensa, vínhamos sentindo desde a primeira reunião que tivemos, em torno do censor demissionário, o Sr. Leven Vampré,3 e que esperávamos antes ver desmentido do que assim tão claramente confirmado: a voz do governo de São Paulo não se ergue com força e clareza como nas horas da íntima segurança, mas se intimida como nas da incerteza e fragilidade. Circulares proíbem os funcionários públicos, mesmo os que chefiam departamentos a que a publicidade é um elemento indispensável, de fornecer à imprensa quaisquer informações e dados. A censura vem recair não sobre o direito de crítica, mas sobre o próprio noticiário, proibindo-nos de aludir os fatos de notória evidência e alta significação para a situação social do Estado.

E agora, fechando o ciclo, o secretário da Justiça dá uma entrevista em que pinta a nossa angustiada situação, cheia de incertezas, de reações fragmentárias, e de surdas gestações políticas, como uma paz rósea, onde todos vivem numa harmonia perfeita, e desejando apenas o trabalho e a continuação da paz.

É como um sinal misterioso dos tempos, o estilo do ministro do Sr. Washington Luís, que reaparece nessas palavras. O Governo parece querer “montar” um palco social e político onde irá representar. Em verdadeiros cenários isso lhe parece talvez difícil, o que será então testemunho de fraqueza. Mesmo porque, se o Sr. Laudo de Camargo quiser subir à realidade, e desnudar para um tratamento direto dos grandes problemas que nos dominam, não poderá ficar nos seus fracos propósitos de apenas administrar. Terá de fazer política, pois não sei com que medida administrativa é que S. Exa. e o Sr. Abrahão Ribeiro vão aplacar esses movimentos de fundo separatista ou comunista, que estão se formando na parte mais profunda e mais genuína da nossa consciência cívica. Essa vaga não é uma simples corrente exótica que se queira infiltrar entre nós. É um mau sentimento que assalta os ânimos mais bem formados, e que responde à necessidade de sermos uma parte integrante da Nação brasileira, e não uma colônia da União. Pois o erro separatista tem raízes noutro erro, que é o erro hegemonista, e sem a resolução do qual este também não se resolverá.

Que o Sr. Abrahão Ribeiro fale a São Paulo a linguagem dramática mas exata da mesma situação. Pois será até um desrespeito à dor e ao civismo dos paulistas dizer fora daqui que reina a paz nos nossos ânimos.

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1 Abrahão Ribeiro (1883-1957), político paulista. Secretário de Estado de Segurança de 25 de julho de 1931 a 30 de julho de 1931.

2 Augusto Vianna do Castelo (1874-1943), político mineiro.

3 Leven Vampré (1890-?), jornalista.

A Razão, 06.08.1931.