A CONSTITUINTE E OS PARTIDOS
Se a convocação imediata da Constituinte é um fato consumado, e o nosso papel se limita a pacientemente esperá-la, é necessário passar da análise da oportunidade desse ato, para o estudo das condições em que vai ser praticado. Mal avisado andou o Governo Provisório em abrir mão tão cedo dos seus propósitos e em deixar que o espírito da Aliança Liberal – que foi um produto autêntico do ambiente político corrompido e decadente a que chagara a República, – se apoderasse das raízes mais íntimas do movimento constitucionalista. Mas por ter andado mal nisso não lhe tiremos a boa vontade e o auxílio, que agora mais do que nunca lhe devem todos os brasileiros sinceramente patriotas. Deixemos para o passado um erro que o governo não foi bastante forte ou bastante lúcido para evitar, e passemos a estudar os fatos do presente, na sua carga de verdades e de erros, que umas e outros é necessário proclamar.
Está hoje em dia bem claro que o Governo Provisório deseja antecipar a Constituinte de certas medidas preliminares, com as quais pretende evitar os males, por assim dizer – primários -, da Constitucionalização; isto é, aqueles que decorrerão da eleição dos constituintes e do funcionamento do país, de uma assembleia política.
Para os males secundários, que provirão da própria emergência com que serão conduzidos os trabalhos e do espírito que presidirá à elaboração da nova Carta, ainda não voltou o Governo as suas vistas. Mas que tem seguramente sobre aqueles primeiros, aos quais pretende opor determinadas precauções.
Que perigo porém é esse, que decorrerá daqueles fatos iniciais? É o de que, em torno de uma assembleia política, a opinião se esfacele, tomando nuances partidárias perigosas à ordem, e sobretudo acompanhando em seus campos adversários, as correntes partidárias que virão de dentro dos Estados para o interior da assembleia se digladiarem. Isso virá criar talvez para o Governo a situação já histórica de ter de dissolver pela força a assembleia que por lei constituíra.
Eis por que vem-se formando no ambiente político do país uma mentalidade fortemente antipartidária e anti-facciosa, de que participa evidentemente o Governo, ainda que à revelia de algumas de suas figuras, e que solidifica as frentes únicas, reconcilia os homens mais extremados, impõe alianças aos partidos, e tende a criar em torno do situacionismo um ambiente de apoios unânimes, como foi o dos tempos de quase extinto P. R. P.
Não creio que se deva fazer a defesa dos partidos. Sou adepto convicto dos partidos únicos, pois as máquinas partidárias são descabidas os momentos da normalidade e nos regimes em que o Estado coordena e dirige as atividades múltiplas da Nação. Agora mesmo estamos num instante que deveria ser antes de tréguas para todos os partidos. Pois a Revolução não deve ter, por natureza, raízes na opinião popular e sim nos seus princípios, nos desígnios que a deflagraram, e à beira de todos os abismos que cercam o país, da Educação às Finanças, não vejo melhor caminho, para os partidos que não puderam fazer a Revolução, senão colaborar patrioticamente com aqueles que a venceram.
Mas se o governo apela o povo às urnas, para que ele escolha uma Assembleia Constituinte, despojando-se assim da investidura que recebera da vitória das suas armas, então não sei por que hão de se calar os partidos. Não me consta que, nas eleições dessa Assembleia, o voto das classes vá fazer pesar os interesses profissionais da sociedade. Não me consta que o comércio e a indústria poderão fazer sentir nelas as suas necessidades. E portanto não estaremos diante de uma daquelas situações e regimes onde os partidos nada têm que representar, pois tudo se encontra na esfera do Estado. Estamos antes numa daquelas outras, anômalas, onde os partidos são tão necessários, como o são as revoluções em certas ocasiões históricas.
Eis por que, promovendo a reconciliação das facções políticas que se formaram ou que se conservaram nos Estados, nos meses posteriores à Revolução, não me parece que o governo esteja tomando uma providencia natural. Pois de fato o que cabia era que ele chamasse às armas as correntes de opinião, e não o eleitorado, massa sem ideias definidas e organizadas, exatamente como se fazia no P. R. P.
E depois, se essas facções representaram, algumas vezes, a preterição de maus elementos, por outros mais representativos do bom espírito revolucionário, reconciliá-los dentro de uma frente única é desandar o caminho percorrido no sentido de uma depuração dos partidos. É voltar ao ponto de retorno, à unanimidade dos partidos inexpressivos, como foram o P.R.P. e o P.R.M.*
Faça política preventiva, mais barata, o Governo Provisório. Castrando os partidos na hora em que eles devem mostrar o que valem, está a Revolução empreendendo gastos que comprometerão o ativo pouco vultoso de reformas que ela trouxe à política nacional.
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* P. R. M. Partido Republicano Mineiro fundado em 1888 e extinto em 1937 com a implantação do Estado Novo.
A Razão, 08.08.1931.