San Tiago Dantas

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12-07-1931

O DESTINO DA CONSTITUINTE II – A APOLOGIA DOS PARTIDOS

Na sua entrevista de anteontem, o Sr. Borges de Medeiros expôs o seu ponto de vista sobre a futura Constituição. O chefe republicano gaúcho sintetizou precisamente a mentalidade liberal do século passado, que paira como a maior ameaça sobre o destino da Constituinte.

Todas as renovações destes últimos decênios, têm tido uma consequência iniludível: tirar os povos do império das fórmulas abstratas, e lançá-los contra a realidade dos problemas que os afligem. No mundo economista de hoje, dada a supremacia dos problemas, é contra a irredutibilidade desses problemas que os regimes, um a um têm vindo se chocar.

Toda a grande Revolução Russa não tem outro conteúdo. A própria Revolução Fascista, feita em nome da tradição italiana e da defesa do país, veio desde o início sob o signo do sindicalismo, e resolveu-se num sistema político de base essencialmente econômica, corporativa. Se constituir-se como manda o Sr. Borges de Medeiros, o Brasil terá sido o exemplo do povo que, depois de revolucionar para se dar um governo mais de acordo com a realidade nacional, terá ido buscar em fórmulas tão abstratas, ou ainda mais abstratas do que as primeiras, o seu caminho de salvação.

Escapam ao chefe rio-grandense os contornos mais chocantes da nossa realidade. O seu espírito perdura no culto incansável dos “imortais princípios” pouco se lhe dando os fatos concretos da sociedade em que vive. Crê, como todos que se afizeram ao estudo e à administração das democracias sazonais, na eficiência e na necessidade dos grandes partidos nacionais. É o seu apologista. Faz deles a ideia central da reorganização do país.

Não posso ver senão desvantagens nesses tão louvados partidos.

Se admitirmos que a Nação brasileira tenha fins superiores aos dos homens de que se compõe, não podemos ver um partido, que nada mais é que agrupamento de homens, impor os seus fins ao organismo nacional. Como aceitaríamos, por exemplo, que um partido socialista radical, que um partido comunista, se integrasse no poder?

A vontade dos indivíduos não pode para nós ser mais forte que os próprios fins da Nação.

Os grandes partidos são verdadeiros desmembramentos nacionais. Seu revezamento no poder é um erro incontrastável, pois no Estado não deve dominar o maior grupo, mas devem se integrar, sem domínio, todas as forças da vontade nacional.

Eis aí um erro em que incidem todos os que, como o Sr. Borges de Medeiros, acreditam nos partidos. Pensam que é esse o modo de integrar no Estado toda a opinião, quando esse é apenas o modo de permitir a cada uma um curto domínio, tirando ao país a grande continuidade de governo de que ele tem uma necessidade imprescindível.

E nem se diga que as minorias lá estão representadas nas câmaras, pois todos sabem que elas só podem atuar negativamente, coligam-se para contrastar o partido dominante.

Além disso, é extraordinário que na hora em que o parlamentarismo se arruína no mundo inteiro, provando a sua ineficiência como órgão de governo, a sua incapacidade como órgão de controle, venha se pensar em organização de partidos, que são uma consequência dos parlamentos. Sem a sua função essencial que é agir nas câmaras, não há razão para partidos. Não creio que haja ainda um só brasileiro que julgue que o seu país será salvo pelas câmaras. E se não é daí que vem o remédio, não façamos dos partidos ideias centrais de coisa alguma. Eles não são necessários; são inconvenientes, ou mais que isso, porque ofendem o princípio de supremacia dos interesses e fins nacionais sobre os interesses e fins de grupo. Não são eficientes como mandatários da função legislativa, porque todos cada vez mais se convencem de que não é à opinião mas à ciência que cabe fazer boa política, e que não será portanto o voto dos deputados mas o parecer dos técnicos, que elaborará a melhor lei.

Não são também eficazes, como se pensa, para organizar a opinião pública. Cada indivíduo deve pesar no Estado não pelo ponto de vista em que arbitrariamente se colocou, mas pelo complexo de interesses sociais e econômicos que ele representa, verdadeiramente, como membro da família e como membro da classe, e que o homem existe no Estado. Os partidos são formas anômalas, cuja constituição será dentro de anos capitulada, com as greves, as crises, as revoluções, entre as anomalias que periodicamente assaltam as sociedades. Haverá momentos históricos em que se apelará para essa anomalia, como se apela para guerras e revoluções. Mas nos períodos de equilíbrio e de bom governo, o seu desaparecimento será o início da união perfeita, ou quase perfeita, de governantes e governados.

Não pensa assim o Sr. Borges de Medeiros. E já aqui nos separamos tanto, que seria o caso de não continuar. Mas quero ainda examinar o seu conceito de sufrágio, forjado no espírito já não das democracias anglo-sazonais, mas no da própria Revolução Francesa, e o seu conceito de representação de classes, que é contrario a todas as correntes firmadas em bom terreno, na doutrina contemporânea.

Raciocinando sobre cooperativas, corporações e sindicatos, o venerando ex-presidente do Rio Grande mostra em sua plenitude a velha fibra liberal.

A Razão, 12.07.1931.