O NOVO P. R. P.
A vitória da Revolução, em São Paulo, produziu sobre o velho Partido Republicano Paulista um efeito característico que revelou, aos que lhe observavam a atuação política, qual a debilidade do seu organismo partidário. Não se dissolveu o P. R. P. Das suas fileiras se aproximou a Legião do Sr. Miguel Costa, identificando-a até a elas, muitas vezes, na organização dos seus comitês municipais. O Partido porém ficou, encerrando sob o seu nome o grosso da massa eleitoral paulista, e contando por exceções, as defecções democráticas e legionárias. Mas ficou abatida a sua voz no cenário político. O ambiente de guerra instaurado logo após a vitória do movimento, as punições políticas, as interdições de bens pertencentes a personalidades evidentes da situação extinta, travaram os movimentos dos líderes perrepistas. E o Partido que se desabituara das armas para viver a eterna política de conciliábulos, o Partido que defendia pessoas e não programas, ficou voluntariamente mudo numa hora de riscos como essa, sentindo que só o recolhimento e a prudência lhe podiam ser benéficos. Não havia ideias por que sacrificar os homens. Então que estes de acautelassem, e esperassem a hora pacífica e propícia para virem a campo se reorganizar.
Essa hora veio. A justiça revolucionária pareceu cedo frugalmente saciada. O ambiente de segurança pessoal reinou de novo, a ordem revolucionaria do coronel João Alberto cedeu lugar à ordem pós-revolucionária do Sr. Laudo de Camargo, e então os chefes perrepistas começaram a espreitar, a sondar o perigo, e já agora, ainda que à cautela pareçam dispostas a reorganizar o seu partido falando às fileiras, que desde outubro não recebem ordens de comando. O Sr. Altino Arantes1 adianta à imprensa que a comissão diretora, dentro de uma semana vai deliberar. E fala-se abertamente já de uma convenção em Itú, onde o velho partido paulista dará uma prova numérica do seu esplendor partidário.
Está, pois, renascente o perrepismo, na hora da segurança e da tranquilidade. Agita-se a Constituinte. Em São Paulo está um juiz governando no lugar de um grande tenente. O P. R. P. toca a reunir, para retomar a marcha.
Vem, porém, com um passivo enorme. Com um passivo que não foi criado pelas suas atividades antes de outubro, mas pela sua conduta nestes meses de agitação pós-revolucionária.
Pois faltou neste momento ao P. R. P. coragem partidária. A seus homens pessoalmente ela certamente nunca fez falta, se quisermos considerar o exemplo de um Ataliba Leonel,2 de um Washington Luís, e mesmo de um Sylvio de Campos.3 Mas o Partido foi sempre timorato. Partido de burgueses sem ânimo guerreiro, e sobretudo Partido em que de todo se apagará a chama do ideal político. A vida partidária era dentro dele um equilíbrio mútuo de prestígios pessoais, de operações eleitorais de dependências e compromissos. Faltava-lhe a finalidade a cumprir, faltava o objetivo político, faltava, enfim, a própria função que o partido é chamado a preencher como órgão, e sem a qual a sua existência não se justifica.
Eis por que não só na hora dos perigos máximos, mas também na dos simples receios para os políticos da velha República, o P. R. P. teve a fraqueza de não trazer à luz as suas atividades partidárias. Mostrou que não tinha uma ideia, tinha pessoas a defender, que se calasse, e deixasse o país perder-se pelos mais ínvios descaminhos.
Esse oportunismo é a grande acusação de impatriotismo que se pode fazer hoje ao P. R. P. Agora que ele se prepara para renascer numa grande convenção e pretende mostrar que a sua estrutura eleitoral continua firme nas suas bases municipais e em maioria na sua expressão estadual, virão os novos líderes dispostos a redimir os erros passados, levando o partido por estradas melhores? É o que todos estão indagando, vendo ressurgir o combalido mas tradicional partido de São Paulo. Sente-se que não haverá lugar para ele, se quiser continuar sem princípios e sem programas, fazendo da política uma simples tática de lutas eleitorais e de finas manobras nas comissões centrais. Mas se ele proclamar o pensamento de equilíbrio por que o povo paulista anseia, o pensamento que condena os excessos separatistas reivindicando, porém, para São Paulo, a posição e a autoridade que lhe cabem, o pensamento que, condenando o comunismo, reclama uma melhor justiça de classes, e dá ao Estado uma clara expressão de autoridade em face dos problemas da nacionalidade, então teremos um novo P. R. P., saindo da decrepitude para a mocidade, e que, retomando a tradição dos velhos chefes, encarnará o espírito e a força dos paulistas.
Esse seria um P. R. P. que daria ao reacionarismo da Aliança Liberal, que ataca as raízes da Constituinte, uma lição extraordinária do maior e mais genuíno espírito revolucionário.
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1 Altino Arantes {1876-1965), governador de São Paulo de 1916 a 1920.
2 Ataliba Leonel (1875-1934), político paulista.
3 Sylvio de Campos (1884-1962), político paulista.
A Razão, 12.08.1931.