A RENÚNCIA DO INTERVENTOR
O triunfo que o coronel João Alberto 1 obteve ontem, entrando em São Paulo sob aclamações, teve muito daqueles triunfos romanos que os generais recebiam ao voltar de uma vitória, e que sucedia ou antecipava uma condenação ou ostracismo.
Durante meses e meses, o povo paulista gemeu contra o interventor. O veneno regionalista lançado em baldões pelos partidos de má vontade cobria aos olhos de São Paulo a marcha incessante de benefícios, de prudentes medidas, de reformas de alto alcance, com que o governo do coronel João Alberto superava a cada passo os erros políticos que cometia. Chegou um momento, porém, em que a própria oposição pareceu desanimar. O interventor cercado de prestígio pelo governo provisório, na plenitude do seu poder político, administrando num ambiente isento de paixões e mesmo de interferências partidárias, parecia vitorioso de todas as ameaças, e senhor de uma posição já agora inexpugnável. E nesse instante precisamente, quando a oposição se acalma e proletários e burgueses se sentem sob a sombra protetora do interventor, o coronel parte para o Rio e deixa entre as mãos do chefe do governo o seu pedido de demissão.
Tamanho desinteresse pessoal pelos cargos, tamanho garbo moral para abandonar magnanimamente aquilo que à custa de inauditos esforços defendera, veio dar nova imagem do interventor. Apareceu-lhe um cavaleiro, com rasgos de magnífico romantismo, onde a opinião adversária se habituara a ver um tenente improvisado administrador. E a figura do coronel João Alberto, desde a tarde de anteontem, começou na imaginação popular a tomar a estatura de um herói. São Paulo dos meetings nativistas viveu horas de em entusiasmo incrível.
E ontem recebeu com a gravidade de uma senha, a palavra do interventor. Em todos os espíritos lançou-se a certeza de que os acontecimentos do dia 18 marcaram uma nova etapa da Revolução brasileira. Porque quando sai de cena uma figura do porte do coronel João Alberto, os espectadores esperam para o desfecho da peça, a sua imprescindível rentrée. 2
De fato o coronel João Alberto não é uma figura isolada pelo aparelho das forças políticas organizadas, que sustentam e fortalecem a obra da Revolução. Em outubro, houve um momento em que todas essas forças estiveram confusas, e pareceram um só bloco, uma só corrente, disparada contra o poder.
Mas passada aquela fase negativa da Revolução, viu-se que fora um sistema de forças, e não uma força, que a preparara e realizara. Que, nesse sistema, havia figuras isoladas que haviam corrido junto com as grandes forças na descida, mas que não estavam ligadas a elas para o esforço da subida, e que por isso rolariam, mais tarde ou mais cedo, para de todo desaparecer.
Foi assim que se apagou a estrela do Sr. Arthur Bernardes, 3 a do Sr. Maurício de Lacerda, 4 a do Partido Democrático, e muitas outras. Ficaram de pé aqueles que representavam forças ou que estavam presos a elas no poder. Ora, quais foram essas forças, e que figuras as representaram? Podemos falar primeiro de uma a que coube suprema posição no governo provisório, que foi a representada pela frente única do Rio Grande, moralmente dirigida do Rio Grande, moralmente dirigida pelo Sr. Borges de Medeiros; ao lado dessa, que foi a “força civilista” da Revolução do Sul, desenvolveu-se uma outra, continuadora do ímpeto revolucionário militarista, que fizera as revoltas de 22 e 24, e que viria formar a chamada “política dos tenentes”, nesta fase construtiva em que entrou a Revolução. Em Minas restou uma grande força, que foi aquela mais coligada com os elementos do Sul, e que vinha do Sr. Antônio Carlos, 5 através do Sr. Olegário Maciel. 6 No norte uma só onda, um só espírito mais reacionário que revolucionário se encarnava nos seus dois grandes chefes, o major Juarez Távora 7e o Sr. José Américo.8
No cruzamento da primeira com a segunda força, no cruzamento do civilismo gaúcho com o militarismo dos chamados “revolucionários puros”, está o político mais forte do momento, querido nos partidos e querido nos quartéis, que é o senhor Oswaldo Aranha. E na ala extrema da coluna dos “tenentes” está o maior e o mais alto dos seus valores – o coronel João Alberto.
Toda a harmonia da política brasileira do momento, como assinalou ontem a nossa Nota Política, 9 vinha desse perfeito encontro da política dos tenentes com a política do Rio Grande, feito através da perfeita harmonia entre o Sr. João Alberto e o Sr. Oswaldo Aranha.
Os acontecimentos de anteontem perturbaram esse equilíbrio. Do sul, o Sr. Oswaldo Aranha trará talvez a fórmula do seu restabelecimento. Mas o Sr. João Alberto saiu de cena, e a peça não acabará sem a sua rentrée.
A Razão, 15.07.1931.
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1 João Alberto (1897-1955), militar. Interventor federal em São Paulo de 1930 a 1931.
2 Vocábulo francês: volta, reentrada.
3 Arthur Bernardes (1875-1955), político mineiro. Foi o 12º presidente do Brasil de 1922 a 1926.
4 Maurício de Lacerda (1888-1959), político fluminense.
5 Antônio Carlos (1870-1946), político mineiro, presidente [governador] de Minas Gerais de 1928 a 1930.
6 Olegário Maciel (1855-1933), político mineiro, presidente [governador] de Minas Gerais de 1930 a 1933.
7 Juarez Távora (1898-1975), militar.
8 José Américo (1887-1980), político paraibano.
9 Coluna redigida por San Tiago em A Razão.