San Tiago Dantas

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15/08/1931

PRELIMINARES I

Os princípios fundamentais do nosso direito público, assim como o seu condicionamento em normas reguladoras de todas as relações jurídicas do país, devem ser uma consequência decorrente da verificação das nossas realidades, em relação a nós mesmo, e em relação ao século em que vivemos. Evidentemente, funcionando a Nação Brasileira, como expressão de um povo, por todos os motivos econômicos e morais integrado na vida universal, não nos podemos eximir a imperativos hoje comuns a todas as nacionalidades. Ao tomarmos o ponto de partida, para os estudos atinentes à elaboração da nossa futura carta constitucional, começaremos pela apreciação dos conceitos do Estado, segundo as necessidades e finalidades sociais, que imprimem o sentido da civilização em nossos dias.

O Estado Moderno tem de se firmar numa das três expressões: a de finalidade nacional; a de finalidade social; e a de finalidade em si mesmo.

Ou a Nação se condiciona no Estado, com o conjunto de suas forças de produção material, intelectual e moral; ou a Sociedade nele se reflete, como órgão centralizador, diretor absoluto da produção, aplicador de benefícios de expressão coletiva da propriedade; ou o Estado a si mesmo se basta, como simples garantidor de direitos fundados na liberdade individual. No primeiro caso o socialismo; no segundo caso o bolchevismo, precursor do marxismo; no terceiro caso a democracia liberal, precursora, por sua vez, do bolchevismo.

Num desses três conceitos, o Brasil terá de fundamentar os princípios que nortearão os trabalhos da sua próxima Constituinte.

O Estado social-nacional é coerente com o seu ponto de vista. Começa a negar todas as liberdades individuais ou de grupos que venham ferir os princípios fundamentais do regime. Não admite a luta de classes, porque a finalidade das classes não deve estar nelas mesmas, porém na grandeza da Nação e na felicidade geral. Os detentores dos meios de produção têm deveres para com o Estado, e esses deveres devem estar acima de seus interesses próprios, da mesma forma que o trabalhador gozando da proteção direta do governo não pode sobrepor os seus caprichos às superiores diretrizes do Estado. Todo o aparelhamento econômico, como toda a organização social, está sob a imediata fiscalização do Estado, nos seus mínimos movimentos. E, enquanto a iniciativa particular não seja proibida, e até em certos casos possa ser estimulada, ela tem de se subordinar aos impositivos que as necessidades gerais da Nação determinarem. Condicionando as forças sociais, o Estado, pelos seus órgãos diretivos, é a própria expressão política das classes, não tomadas no sentido dualístico da dialética marxista, mas na sua significação profissional. Por outro lado, o cidadão age e se reflete no Estado, como índice de fenômenos que o integralizam no próprio conjunto das energias expressivas da Nação: ele é o representante da Classe, porque trabalha; da Família, que é o prolongamento da sua personalidade; e do Indivíduo, parcela livre nos seus movimentos morais e intelectuais, até ao limite em que esses movimentos não atentem contra os fundamentos do Estado, desse próprio Estado que lhe faculta a soma das liberdades possíveis, no equilíbrio da sociedade e das instituições.

O Estado socialista prescinde da preocupação nacional, para ir diretamente à tese humana. O homem tem uma finalidade em si mesmo. Aceita a tese de precedência da matéria sobre o espírito, não há dois caminhos para a solução do problema social. O desenvolvimento industrial e comercial tem criado, dia a dia, uma situação de desigualdade no usufruto dos benefícios advindos da técnica. O regime estatístico imporá as necessidades da produção, de acordo com as necessidades do consumo. Todos os homens devem gozar igualmente os confortos que a civilização criou. Para que se chegue ao acordo universal, é preciso destruir o preconceito da Pátria. Então, poderemos chegar a uma situação em que todos gozarão a vida. Porque a vida é uma só, e curta, e cumpre fazer dela a suprema alegria de um momento perdido nos séculos. O Estado socialista é o precursor da humanidade sem Estado, governada pelas estatísticas. Para isso, ele terá de exercer uma dupla política: de negação absoluta de liberdades nos países onde estiver implantado e de adesão a todos os movimentos liberais democráticos que se operam em qualquer ponto do planeta.

O Estado socialista, em resumo, combate a propriedade privada porque objetiva a socialização dos meios de produção; a instituição da família porque o homem também deve ser socializado e não pode, portanto, subordinar-se a um núcleo de autoridade moral que escapa à ação coletivista; as religiões em geral porque se apoiam exatamente no princípio opostos ao de que parte a sociedade marxista, ou seja, a precedência da matéria sobre o espírito; a pátria porque restringe a projeção do homem, condicionando-o a uma finalidade egoísta de fronteiras.

Entre essas duas expressões do Estado Moderno, acha-se o Estado Liberal-democrático.

Apreciemos em nossa nota de amanhã a sua índole. Vejamos, a seguir, o que cumpre ao Brasil fazer, logo que estabeleça a preliminar imperiosa, que é o ponto de partida para o início dos trabalhos, primeiro de ordem sociológica, depois de natureza jurídica e de aplicação técnica, sem os quais não se fará uma Constituição que convenha ao povo brasileiro.

A Razão, 15.08.1931.