BOLETIM POLÍTICO
Já não podem restar dúvidas, com a demissão do Sr. Arthur Neiva e a indicação do tenente Juracy Magalhães1 para substituí-lo, que está realizada a unidade partidária do Norte dentro da política dos tenentes. Os campos começam a se separar por fronteiras mais nítidas. Os líquidos de densidade diferente que a revolução agitara e dividira vão se separando em zonas delimitadas, e revelando a heterogeneidade que nos primeiros momentos se ocultara.
Essa heterogeneidade foi o pecado original da Revolução. Quando o país atravessava, sob o governo do Sr. Washington Luís, a suprema crise do Estado liberal, e via falir o plano de governo financeiro que fora o objetivo central da sua administração, nenhum brasileiro estava estranho ao ânimo revolucionário, que era o estado de espírito de “salvação nacional” reinante de Norte a Sul. Mas quando se associaram para uma campanha eleitoral e depois para uma conspiração que acabaria numa luta armada, o partidarismo político mineiro e gaúcho e o militarismo revolucionário, derrotado em 22 e 24, e banido além das fronteiras, muitos se recusaram a dar apoio ao movimento, que vinha marcado de cores tão opostas e tão pouco harmonizáveis. Fui, pessoalmente, por isso, dos que preferiram defender a má autoridade constituída, do que concorrer para a implantação de uma ordem discricionária, que não encontraria uma fórmula duradoura de equilíbrio, entre os múltiplos grupos que a compunham. E de fato esse equilíbrio apenas durou, enquanto o alto prestígio de alguns chefes pode contrastar as tendências de repulsão que se acentuavam, e que em pouco segregaram o Sr. Arthur Bernardes e o seu partido da situação mineira, e dentro de São Paulo os elementos militares de baixos postos, dos civis que a Revolução aqui elevara. Cada líquido foi aos poucos reintegrando as suas parcelas. Formou-se o P. R. M., cujo elemento central de governo é o maior homem de partido do Brasil, e cujo apoio revolucionário mais garantido é indiscutivelmente o Sr. Virgílio A. de Melo Franco.2 Formou-se um partido de tenentes, onde se foram reunir os chamados “puros”, revolucionários militares, no qual ficaram Juarez Távora e João Alberto, que teve em São Paulo o seu ponto de apoio primitivo, e agora o tem no chamado “bloco do Norte”, cuja formação oficial se espera, mas que já se acha virtualmente constituído. O P.R.P., por sua vez se levanta, e fala-se numa união possível com o P.R.M., que seria então a base da aliança tradicional entre São Paulo e Minas, e marcaria o fim da hegemonia gaúcha, como já assinalou há dias a nossa “Nota Política”.
Estão, portanto, já bem separados os campos que a fraternidade das primeiras horas confundira. Em torno do primeiro problema que experimentar as tendências essenciais de cada grupo, rolará por terra a unidade, sem a qual o Governo Provisório não poderá manter um só instante o regime de ditadura. E esse problema vai ser a Constituinte. O Norte, através da palavra do “tenente” Lima Cavalcanti, já se pronunciou contra a sua convocação, e ergueu nos escudos o major delegado do Governo, a quem reconhece, só, como seu chefe. E dominando da Bahia até o Amazonas, mantendo uma unidade administrativa e partidária perfeita entre os diversos Estados, através da sua Delegacia, os tenentes são uma força poderosa, que surge no cenário trágico onde se está jogando a sorte da ditadura. Praticamente já se pode dizer que eles estão contra o Sr. Getúlio Vargas. Pois são a favor da ditadura, enquanto o ditador, homem de partido, é contra ela; e como não podem ser a favor do ditador que não quer conservar o seu cargo, é lógico que estão contra o ditador.
Temos, pois, dentro do nosso pobre país, condenado pelo Sr. Niemeyer3 a um plano de convalescença cívica e de tratamento financeiro, de novo a luta aberta, e os partidos chamados não a defender as suas ideias, mas a discutir a própria oportunidade dos atos do Governo, dentro da mais terrível irredutibilidade. Três homens ocupam as chefias dos exércitos que ameaçam abrir o combate: os Srs. Borges de Medeiros, Juarez Távora e Arthur Bernardes. Na estacada permanece o Sr. Francisco Campos. E ouve-se a voz do Sr. Ataliba Leonel que se prepara para surgir com o seu partido e uma boa aliança. Mas anseia-se por compreender o Sr. Oswaldo Aranha, cujo nome o público está reclamando no cartaz, e sob cujos pés parecem ter fugido os terrenos que ele mantinha aproximados: o gaúcho e o militar. Não deixará cair por terra o seu poder, tenha-se a certeza. Mas levará para uma banda o seu grande prestígio, sendo provável que fique ao lado do venerando chefe do seu partido e da frente única do seu Estado.
Seja como for, a semana que se inicia será histórica nos fastos da Segunda República. Clarear-se-ão as frentes que hoje ainda se movimentam. E saber-se-á se a Revolução pode contemporizar com os seus partidos, ou se teve de aceitar uma sentença que lhe dará dias contados.
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1 Juracy Magalhães (1905-2001), militar. Interventor federal na Bahia de 1931 a 1937.
2 Virgílio de Melo Franco (1897-1948), político mineiro.
3 Otto Niemeyer (1883-1971), economista inglês.
A Razão, 18.08.1931.