San Tiago Dantas

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20/08/1931

O CASO DE MINAS

Ainda não incidiu uma luz perfeita sobre o grave caso de Minas, que projetou um desassossego tão alarmante, aqui em São Paulo e no resto do Brasil. Sabe-se somente que houve uma insurreição dos perremistas1 reunidos em Belo Horizonte, com o fim de depor o governo do Sr. Olegário Maciel. E já se acredita, pela uniformidade das notícias, que o governo do velho presidente2 resistiu, e levou a sua energia até instaurar um inquérito de responsabilidades, dirigido pelas autoridades civis e militares, e a interpelar – outros dizem prender – o Sr. Arthur Bernardes.

É pouco tudo isso para formar um juízo. A resistência e a impavidez dos governantes mineiros não eram inesperadas, e não assombraram ninguém. A audácia do Sr. Bernardes é um dos sinais mais persistentes com que ele aparece aos olhos do público, que sempre o supôs capaz até de façanhas maiores.

A segurança da situação mineira, a porcentagem de adeptos que dentro de Minas a sustentam e a posição do Sr. Francisco Campos perante os revolucionários é que o porte e a certeza das notícias, ainda não nos permite avaliar. Seja, porém, como for, uma coisa ficou patente de súbito aos olhos da Nação: a fragilidade da trama de compromissos que sustentam o Governo Revolucionário, que todo mundo suspeitava, mas ninguém via, tão descontínua e periclitante.

Em tempos passados, a República, acusava-se a ordem partidária de excessivamente fechada, e tolhida nos seus movimentos e variações naturais. As “carreiras” políticas se faziam por degraus invariáveis. As admissões à grei condicionavam-se a um mesmo processo, presidido pelo favoritismo ou pelo filhotismo. Os compromissos haviam ossificado de tal modo as articulações partidárias, que nenhuma renovação de homens ou de métodos era possível. E quando surgiu nesse organismo sem maleabilidade a cisão criada pelo sonho político do Sr. Antônio Carlos em 1929, quebraram-se as peças partidárias, que já não comportavam variações como essa.

Agora, porém, a ordem revolucionária, não padece do que está revelado, da ossificação exagerada que era o mal das antigas oligarquias. Padece do mal contrário, da mais completa descalcificação possível, que torna o seu organismo incapaz de esforços conjuntos, e de uma articulação perfeita de movimentos. Essa precariedade todos sentiam na situação revolucionária. Os partidos não pareciam ligados entre si por tramas muito fortes. Mas ninguém esperava que essas tramas fossem tão fracas, que de uma hora para outra a ordem se pudesse subverter, e se visse um partido a que pertence um ministro, um presidente do Banco do Brasil, e vários homens ligados ao núcleo central da Revolução, conspirar contra uma situação apoiada pelo Governo Provisório, e atacá-la como provavelmente o fez – de armas na mão.

Estamos, pois, segundo depõem os acontecimentos de Minas, no mais instável dos equilíbrios. A Revolução está retalhada em subpartidos que disputam domínios regionais. Um ministro guerreia o outro nos limites do seu estado comum, e insurge-se contra a situação regional por ele chefiada.

Com isso – que alguém estará chamando perversamente de agitação cívica -, o que se revela é apenas a fraqueza do regime. Pois não podemos esquecer que estamos dentro de uma Revolução, que por si é um superamento, ainda que efêmero, dos partidos e que o país está bastante combalido para não suportar, depois de uma guerra, uma série de guerrilhas civis.

Exemplos como o de Minas no caso presente só aproveitarão a uma corrente: àquela que está organizando o “bloco” dos tenentes do Norte, para reagir contra o Constitucionalismo, que a frente Borges-Pilla está ditando ao país.

Pois de fato, quando se revela que a liberdade concedida aos partidos numa hora como esta, de salvação pública, se converte em fonte de desordem interna e consequentemente de desprestígio da autoridade, de enfraquecimento do poder, está-se advogando a causa dos que querem cortar asas à ambição prematura dos políticos, e tomar para si o governo das províncias. Os olhos do major Távora, do tenente João Alberto, dos inúmeros tenentes e capitães que ocupam as interventorias no Norte, devem estar mais fixos que quaisquer outros no caso que a insurreição do P. R. M. criou dentro de Minas. Pois com certeza daí lhe virão argumentos em favor da tese que defendem, a que gaúchos, democráticos e civis, em suma, nada poderão contrapor.

E quem sabe se não serão esses os argumentos com que o Governo Provisório vai obter um recuo da frente única dos pampas, e aceder à tese dos tenentes?

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1 Integrantes do Partido Republicano Mineiro.

2 Assim eram nomeados os dirigentes dos estados antes da Revolução de 30. Olegário Maciel, eleito pouco antes da Revolução, foi o único dos presidentes de estado mantidos em seu posto pelo Governo Provisório.

A Razão, 20.08.1931.