ACORDO EM MINAS?
Já existem duas versões sobre o caso de Minas, que apenas nos deixam dúvidas sobre a responsabilidade que de fato cabe ao P. R. M. na preparação e na realização da mazorca de terça-feira. Fica certo numa e noutra que existiu uma rebelião, cuja vitória foi sustada pela energia – inesperada apenas para os que a promoveram – do Sr. Olegário Maciel e do Sr. Gustavo Capanema.
Minas volta à tranquilidade; e o Sr. Arthur Bernardes escapa-se, como uma enguia, do ridículo e da responsabilidade do movimento. E, causado apenas um abalo aos créditos políticos da Revolução, parece que nada se alterou, e que fica de pé o governo e o partido do Sr. Francisco Campos.
Encerrado o entremez, o que esperava a opinião pública, naturalmente? Que o Governo Provisório felicitasse o presidente de Minas, e que este instaurasse um inquérito para punir os que se insurgiram contra a sua autoridade. O P. R. M., se tem as culpas que lhe atribuem, seria posto, na pessoa dos seus chefes, sob a penalidade que lhe cabe. E a Revolução daria com isso ao país uma prova do seu espírito jurídico e da sua pujança como regime. Por extraordinário que pareça, não é esse, entretanto, o curso dos acontecimentos nestas últimas 48 horas. Inexplicavelmente, o Governo Provisório despachou para Minas, como seu delegado, um homem tido e havido como prudente, a quem se acusa claramente até de timidez, para estudar as bases de um acordo entre o Governo e os insurretos, o que até a véspera da revolta perremista era possível e louvável, mas, dentro de qualquer lógica, ninguém já agora admite.
Senão, raciocinemos. Havia em Minas dois partidos, um, senhor da interventoria, chefiado por um ministro de Estado, formado por algumas altas figuras da Revolução de outubro; outro, em oposição ao primeiro, chefiado pelo grande tático político que é o Sr. Arthur Bernardes. Desejavam esses partidos, suponhamos, concertar a frente única dentro do seu Estado. Nada mais possível, e para alguns, nada mais elogiável. Sobrevém, entretanto, uma reunião dos oposicionistas, e sob o seu impulso desencadeia-se em Belo Horizonte uma bernarda,* para apear do poder o atual presidente. Este consegue aplacar o movimento. O partido oposicionista, derrotado no seu tatame, perde logicamente o direito de contratar, com o Governo que assaltou, qualquer espécie de aliança. Tem de ser tratado como inimigo; tem de ser julgado e punido. Pois se assim não for, ficará provado que a sua derrota foi casual e precária, de que ele tem elementos em si, para voltar a cercar de ameaças o poder.
É isso, entretanto, o que se está propalando na hora atual. O Governo mineiro venceu a insurreição que contra ele fora formada. Não pode agora propor acordo aos insurretos, pois isso seria evidenciar, de um modo clamoroso, a parcialidade e a insuficiência da sua vitória. Fazem-se acordos em que há igualdade de condições para dois partidos empenhados em luta, ambos dentro ou ambos fora da ordem legal ou quase legal. Não se fazem, porém, entre juiz e réu, entre autoridade e insurreto. Isso seria sempre a prova de que aquele a quem cabe à função de punir se está sentindo fraco para a desempenhar.
E aí está o que revelará a atitude do Sr. Olegário Maciel aceitando a ultrajante nomeação de um árbitro ainda que do seu partido para examinar e julgar a situação em Minas. S. Exa. era e é o único árbitro possível. Cabe-lhe instaurar o inquérito preciso para apurar as responsabilidades devidas, e cabe-lhe depois denunciar os responsáveis à justiça extraordinária da Revolução. Os acordos só podem voltar à ordem das cogitações mineiras, se desse inquérito resultar nenhuma culpa imputável aos líderes do P. R. M. Agora, falar disso é duvidar da autoridade do presidente, e realizar isso é exprimir, claramente, que quem manda em Minas são aqueles que forçaram o Governo estadual, por ameaças, a aceitar os pactos.
O povo brasileiro confia, porém, na respeitável figura que hoje representa perante o Brasil a honra partidária dos homens públicos de Minas. E espera do Sr. Olegário Maciel o grande gesto romântico com que ele por certo ilustrará o civismo revolucionário – salvar a autoridade, ou cair com ela.
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* Revolta política de pequena dimensão.
A Razão, 21.08.1931.