San Tiago Dantas

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22/08/1931

A DUALIDADE DA REVOLUÇÃO

Ninguém considera um aspecto novo da Revolução, essa dualidade para que vimos chamando a atenção há dias, e que exprime a tendência positiva e a tendência negativa dos partidos em face da Constituição. Vem de longe essa dualidade. E o documentário que possuímos sobre a campanha política e armada que teve em outubro o seu desfecho dá-nos uma nítida demonstração de que ela já existia, nos albores do movimento revolucionário.

Hoje vemos a Aliança Liberal, expressa na frente única do Rio Grande, lutar contra aquilo que se chama o vanguardismo ou “montanha” revolucionária, expressa no “bloco” do Norte e nos políticos mais adiantados, como os Srs. Francisco Campos e Oswaldo Aranha. Mas houve um tempo em que essas duas forças, cuja oposição tende a se acentuar cada vez mais, agiam de comum acordo, mas já bem distintas uma no palco parlamentar, a outra, obscuramente, nos bastidores da política nacional. Enquanto o Sr. João Neves liderava, aos olhos maravilhados das plateias brasileiras, a Aliança política chefiada pelo Sr. Antônio Carlos, uma outra corrente se formava sob o auspício e o controle do então secretário do Interior do Rio Grande, Sr. Oswaldo Aranha, tendo como escopo não a campanha eleitoral, mas a luta armada, e já indicando como seu supremo chefe a figura naquele tempo quase legendária de herói de 1924, o general revolucionário exilado Luiz Carlos Prestes.

Eram dois movimentos que na expressão do melhor cronista dos acontecimentos de outubro, o Sr. Virgílio de Mello Franco, marchavam paralelos, um no solo, outro no subsolo da política nacional.

Um inspirado pelo temperamento suave e pelo romantismo partidário – que lhe revestira o sonho político – do presidente de Minas. O outro, alimentado do ideal revolucionário, que originara o ciclo de revoltas isoladas, em 22, 23, 24, 25 e 26. Cada um tinha os seus métodos e os seus propósitos. A Aliança pararia no resultado das urnas. A conspiração iria além dele, para deflagrar, no seio da política da República, o seu radicalismo personalista e a justiça das suas armas.

Quando, porém, a derrota da Aliança deixou mineiros, e sobretudo gaúchos, em situação difícil no plano da altivez e do orgulho partidário, houve uma aproximação, uma íntima ligação, dos dois espíritos, para que a Aliança e a conspiração saíssem juntas pela única porta possível. Facilitou a fusão, o ardor dos aliancistas jovens, como o Sr. João Neves e como o Sr. Luzardo.* Dificultou-a o verdadeiro aliancismo, o que se personificava no Sr. Antônio Carlos, cujos recuos comprometeram tanto a preparação da guerra civil. Mas unidos afinal depois daquele trabalho intenso e moroso de ligação de que o livro do Sr. Virgílio Mello Franco nos dá um comentário e um relato tão precisos, as duas forças não se fundiram, porque representavam espíritos diversos, que na hora da vitória se haviam de guerrear.

O primeiro turno do governo revolucionário foi a vitória do espírito da “conspiração”. Subiram ao cartaz os Srs. Oswaldo Aranha, Francisco Campos, João Alberto, Juarez Távora, José Américo, etc. Desceram os líderes da Aliança. Com a rearticulação da frente única do Sul, e com o enfraquecimento natural da confiança na obra revolucionária, voltou o espírito da “Aliança” às diretrizes do regime. E o que ditaria esse espírito, que em si era o equilíbrio do conservadorismo inato nas velhas mentalidades partidárias, com o senso jurídico e liberal de algumas jovens culturas? Ditaria a Constituinte. O país partiu para a desmoralização constitucional, numa hora festiva para os velhos partidos. Saiu então a campo, em contrário, o espírito da “Conspiração’: personificado no partido mais coeso e mais impregnado dos seus princípios, que é o partido dos tenentes.

E nessa fase de luta estamos neste instante. A dualidade da revolução está patente aos nossos olhos, e à sua luz é que temos de compreender os aspectos múltiplos da política nacional. Ela nos mostra como um acidente histórico da revolução, a luta entre norte e sul, está declarada.

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Batista Luzardo (1892-1982), político gaúcho. Em 1931, era chefe de polícia do Distrito Federal.

A Razão, 22.08.1931.