A MISSÃO DO INTERVENTOR
Acaba de se resolver o “caso” paulista, com a escolha do Sr. Laudo de Camargo* para interventor. Com isso se encerra possivelmente a crise, pois, ao que se diz, em torno do seu nome reúnem-se todas as facções, tanto as que cercaram o Sr. Plínio Barreto, como as que lançaram o general Miguel Costa. Paz, portanto, nos arraiais políticos, e de novo aquele estado de ânimo feito da expectativa de todos, de boa ou de má vontade de alguns, com que se espera sempre um novo governo. E, sobretudo, o governo de um interventor, isto é, de alguém que traz apenas as credenciais do seu valor pessoal, e não é precedido de uma experiência política ou de uma plataforma.
No caso do Sr. Laudo Camargo, as credenciais são excelentes. Ele é um perfeito expoente público de São Paulo, e a sua escolha atende àqueles dois impositivos da opinião paulista que o Governo Provisório tinha de considerar – o civilismo e o orgulho regional. Ele é o civil paulista por quem há muitos meses se vem chamando nos comícios, por quem se fizeram grandes injustiças ao notável homem público que desde a Revolução nos governava, e por quem ainda agora se desencadeou a grande crise, cujas consequências perigosas, a ação hábil do governo parece que evitou. Vem portanto com a boa vontade do povo paulista, que já agora nele deseja encontrar o paulista civil que as tradições de S. Paulo exigiam, e o continuado: da obra administrativa do tenente João Alberto. Obra que foi as mais altas da Revolução, que atacou de frente problemas múltiplos da nossa administração, cuja continuidade é hoje uma aspiração da economia paulista, e um sério receio para os que assistem à sua substituição.
Essa é, sem dúvida, a grave missão do Sr. Laudo de Camargo na interventoria de São Paulo. Ele recebe já do tenente João Alberto uma tradição política revolucionária. Mas para estar à altura da sua missão não pode ser apenas o prosseguidor dessa tradição. Isso porque o tenente João Alberto não foi um político completo. Foi um grande administrador, um excepcional gerente da usina paulista, mas permaneceu à margem da opinião, não captou e dirigiu as correntes partidárias, de modo que o seu governo conservou-se artificial e transitório, governo de interventor, sem deitar raízes na vida e no espírito paulista. O Sr. Laudo de Camargo tem que fazer isso. Não lhe bastará continuar a administração do Sr. João Alberto. Ser-lhe-á preciso começar a política que o Sr. João Alberto descurou, para que o signo da transitoriedade não comprometa a solidez da sua obra de governo. O Sr. João Alberto desprezou a Legião Revolucionária, o Partido Democrático, o P. R. P. Deixou que a primeira se constituísse em máquina partidária poderosa, ligada apenas ao general Miguel Costa; deixou que o segundo acendesse contra ele a campanha nativista que teve momentos de tão prejudicial intensidade, e que o terceiro fosse aos poucos se chegando às hostes legionárias do general. Veio um momento em que de fato o Sr. João Alberto era alguma coisa de inteiramente estranha a S. Paulo, e em que nada assegurava a linha de continuidade do seu governo. O próprio Sr. João Alberto o sentiu, e com aquele gesto fidalgo de há poucos dias, pôs termo ao seu mandato. Agora é a vez do Sr. Laudo de Camargo. Não se iluda S. Exa. sobre a unidade atual da opinião em torno do seu nome. Essa unidade exprime a simpatia dos partidos e a necessidade de ordem que existe no espírito público. Se o novo interventor seguir o caminho traçado pelo Sr. João Alberto, verá desfazer-se essa unidade. Os partidos, desamparando-o arrastarão consigo a opinião pública, e o Sr. Laudo ficará também isolado e transitório no seu posto de governo limitando-se apenas a administrar.
E é isso que todos nós que o vemos subir ao poder sob tão bons auspícios, esperamos que ele não faça, mas que intervenha na formação da opinião pública, oriente-a, determine-lhe diretrizes, pois só assim resolverá os seus verdadeiros problemas. Mas, sobretudo, o que esperamos é que o Sr. Laudo de Camargo venha cuidar de por em moldes partidários a opinião do seu estado, para que ela doravante possa falar por órgão definido, e não mais pelo simples clamor dos comícios. Esse é o seu dever de paulista, só assim fará pela emancipação real do seu Estado, que precisa retomar a posição moral e política que na União lhe compete, pela grandeza do seu trabalho, e pela sua tradição do espírito público e de fé nacional. Para isso é que se vem pedindo há tempos o governo de um paulista. E essa fica sendo, portanto, a missão principal do novo interventor.
Não será, porém, essa toda a sua missão. Ao lado disso que é o seu dever político – restaurar São Paulo na sua posição no concerto dos Estados – cabe-lhe atender a mil problemas internos, alguns de maior relevo político. Que a greve operária ainda não terminada, e distinta nos seus claros objetivos do movimento político da semana, seja aos olhos do Sr. Laudo de Camargo um vivo exemplo de maior e mais grave dos problemas a que, acima de tudo, os novos governos de S. Paulo têm de atender.
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* Laudo de Camargo (1881-1963 ), magistrado. Interventor federal em São Paulo de 26.07.1931 a 13.11.1931.
A Razão, 25.07.1931.