A IDEOLOGIA DA REVOLUÇÃO
O ministro Francisco Campos diz que para que a obra da Revolução não pereça é necessária uma unidade ideológica que lhe oriente as reformas políticas e sociais.
Quem examina a feição mental dos chefes revolucionários, a cujo cargo está a direção suprema do País, sente logo entre eles profundas dissemelhanças, que será difícil demarcar e classificar. Pode-se, porém, dizer que os chefes do Norte trouxeram uma concepção mais moral do espírito revolucionário. E que os chefes do Sul trouxeram uma concepção mais política.
Houve um chefe, porém, que trouxe uma concepção mais cultural, digamos, que quis ver a obra da Revolução como devendo ser mais de transformação da cultura e do espírito, que a transformação dos homens e dos institutos. Foi o Sr. Francisco Campos 1 esse chefe a quem um jornalista já chamou o “didata da Revolução” título que lhe cabe muito bem se com isso quisermos dizer, o teorizador, o doutrinário. Para ele, nem a obra política, nem a simples obra de iniciativa podem resumir o trabalho da Revolução. É uma transformação da mentalidade brasileira que ele desejaria ver consolidada pelo Governo revolucionário, o qual só assim atingiria plenamente as suas finalidades nacionais.
Por isso, quanto vim ao Rio, enviado pela A Razão, 2 para fazer em entrevista um apanhado do pensamento político dos membros do Governo Provisório, tive desde logo a certeza de que a entrevista do ministro da Educação seria de um interesse primordial. Ele ainda não se abrira em público sobre a inteireza das suas ideias acerca do momento político. Ele que guardava da Revolução uma concepção teórica própria, encarando-a como revolução social e moral antes de tudo, não dissera ainda se via, na marcha dos acontecimentos pós-revolucionários, o início da transformação nacional que desejava. E, sobretudo, ainda não dera ao público o seu pensamento teórico, sobre o que devia ser a base da construção de uma nova ordem política, através da qual essa transformação se fosse gradativamente operando.
Estive com o Sr. Francisco Campos demoradamente e por vezes repetidas, na sua sala de despachos e no conforto mais calmo do seu gabinete de estudos em Copacabana. O grande chefe mineiro falou-me da sua ação administrativa e traçou-me principalmente uma crítica sincera e nítida do ambiente político presente, e das grandes linhas da ação política que nele pode e deve atuar. A Razão publicará dentro de poucos dias esse documento fundamental para a compreensão do espírito revolucionário, onde o Sr. Francisco Campos expõe, com uma notável segurança, a essência e a forma do seu pensamento político. Aí estará bem marcada a vanguarda do espírito revolucionário no terreno da doutrina. E a visão realista, objetiva, das nossas realidades terá deslocado pela primeira vez o homem de Estado até a posição oposta àquele vago liberalismo, que foi a nossa posição de tantos anos.
Porque eu encontrei no Sr. ministro da Educação um homem compenetrado de que não é nas fórmulas de ação concreta que a ação do Estado deve se informar. O fortalecimento do poder, a obra desembaraçada e contínua de uma patriótica ditadura serão a seu ver condições intrínsecas da reconstrução nacional. Mas não será fascinando o espírito das massas com o inútil devaneio dos congressos e das constituintes que se dará um passo a favor dessa reconstrução.
Toda a obra da Revolução se terá perdido se não surgir uma unidade ideológica que até agora não se manifestou e que, só, poderá impedir que o ambiente político volte pela inércia àquele antigo estado de coisas a que o movimento revolucionário veio, em Outubro, 3 por termo.
“Sem o espírito de uma obra nova, e sem querer moldar nesse espírito a futura mentalidade brasileira a Revolução poderá ter prestado bons serviços, mas será transitória. Desaparecerá, com os homens que a fizeram; terá sido uma incursão de bons elementos no poder, mas uma vez terminado o seu mandato revolucionário, o País estará onde estava, sem um passo além no caminho do seu aperfeiçoamento político”.
O Brasil precisará meditar essas palavras do Sr. ministro da Educação. Elas têm um tom profético que as fez ressoar no ambiente timpânico que atravessamos. E denuncia o grande perigo que assalta a Revolução de Outubro, que é o de não operar no ambiente brasileiro essa desejada mudança radical. Porque, realmente, é só pela instauração de um regime fundado nas exigências morais e econômicas do povo brasileiro e orientado por um só sistema de vontades, que a Revolução poderá ter sido uma etapa, e não um acidente da nossa formação política e social.
A Razão, 24.06.1931.
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1 Francisco Campos (1891-1968), político e jurista mineiro. Ministro da Educação de 1930 a 1932 e Ministro da Justiça de 1937 a 1942.
2 Jornal diário fundado em São Paulo por Alfredo Egydio de Souza Aranha. Seus editores foram Plínio Salgado e San Tiago Dantas. Foi empastelado em 23 de maio de 1932.
3 A Revolução de outubro de 1930.