O que geralmente impressiona os biógrafos de José da Silva Lisboa, primeiro Barão e depois Visconde de Cairu, é a seriedade da cultura, que o distinguia na sociedade brasileira do seu tempo.
De fato, os seus conhecimentos atestavam a formação cultural de um universitário de qualidade. Não eram excepcionais apenas para o meio. Sê-lo-iam nos próprios centros europeus, onde se moldara o espírito do intelectual baiano, e de onde ele viera inteiramente armado para a obra que o esperava na terra natal.
Não era, porém, o caso de Lisboa uma exceção. O que caracterizou a sociedade brasileira, na passagem do século XVIII para o XIX, foi justamente a presença de uma elite, pequena mas dotada de invulgar capacidade, que apenas dependia, para liberar o país, de conseguir levar sua influência até o trono e ter acesso aos círculos superiores da administração.
Em lugar do quadro social de hoje, dominado pelo contraste, e mesmo pelo antagonismo, entre uma classe dirigente de eficiência declinante e uma classe popular em ascensão, o que se via era uma sociedade rarefeita, formada por um proletariado escravo, uma classe depauperada e escassa de assalariados livres, funcionários coloniais, comerciantes portugueses e retalhos de uma classe agrária, em que residia a maior força econômica e social do país. Toda essa população, no início do século, somava, segundo Humboldt, 3.650.000, sendo os brancos 920.000 e os escravos negros quase 2.000.000. [1] Sobre essa frágil estrutura demográfica, cujo crescimento começaria logo a ser impressionante, assentava uma elite, educada na Europa, e apta a dar ao país, como se verificou, quadros institucionais duráveis e uma vida econômica em moderada mas constante aceleração.
Dessa elite fizeram parte, além de Silva Lisboa, os três Andradas, personalidades controversas, realçadas de um toque renascentista, que lhes humaniza o perfil político; Felisberto Caldeira Brant Pontes, depois Marquês de Barbacena, antigo aluno da Academia de Marinha, introdutor no país, doze anos após a descoberta de Fulton, da navegação a vapor, e de outros melhoramentos; Manuel Ferreira da Câmara Bitencourt e Sá, o Intendente Câmara, primeiro a produzir gusa do minério de ferro brasileiro; José Vieira Couto, mineralogista, autor do primeiro plano de mineração sistemática no país; Francisco José de Lacerda e Almeida e Antônio Pires da Silva Pontes Leme, exploradores científicos; Frei José Mariano da Conceição Veloso, botânico; José Arouche de Toledo Rendon, introdutor da cultura do chá no planalto paulista; o Bispo Azeredo Coutinho, homem de governo e economista; Francisco de Melo Franco, nosso primeiro higienista e puericultor; Carneiro de Campos, Marquês de Caravelas, e Vilela Barbosa, Marquês de Paranaguá, o primeiro doutor em Leis, o segundo em Matemáticas, principais responsáveis, com os Marqueses de Queluz e Baependi, pela Constituição do Império.
[1] Apud Roberto C. Simonsen -História Econômica do Brasil (1500-1820), 3ª ed., S. Paulo, 1957, p. 271.)
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