San Tiago Dantas

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Rio, 9 de Abril de 1930

Querido João

Esta carta vai anunciar pessoalmente a você a minha partida, que será dia 12, domingo, por mar. O que essa ida representa para mim de sentimentos e ideias opostas, você que é da família faz ideia. É verdade que uns tantos sentimentos devem superar, em mim, tudo mais, e em nome deles o meu dever de ir, é irretorquível. Quem tem de fazer, como eu, a sua vida, quem tem de marcar o seu lugar, não pode esquecer as portas que se abrem, e nem mesmo talvez as janelas. O jornal em São Paulo pode ser o início de uma vida política, no melhor meio, e na melhor época. Pode ser uma experiência curta, que me restitua à minha atual forma. Num caso e no outro, é bom. É sempre um começo, mais ou menos eficaz.

Para dizer aqui a você só o que eu penso desse lado da questão, e não falar do sacrifício de deixar mamãe e Dindinha, sacrifício em que eu procuro não pensar, porque não sinto muitas forças de o enfrentar, principalmente por ver Dindinha tão velhinha e saber o que ela vai sofrer, – para falar só do caso-jornal, em si, eu afirmo a você que nunca estive tão descansado e tão forte, diante de um plano qualquer. Não sei porque estou olhando tudo isso com um extraordinário desprendimento. Sei que as insídias não serão poucas, que vou para a empresa sem um só amigo certo, que possivelmente um dos motivos por que me visam tão ardorosamente é a minha provável inexperiência e facilidade em ser iludido. Sei que em São Paulo domina uma vaga de aventureiros, e que tudo apodrece lá como num charco, de tal modo que hoje a Legião é apenas um “cravo vermelho”, cujas hostes são de rafeiros, e cujas elites (?) são comunistas. E mesmo o chefe, aqui do Rio já não me merece muita fé. Mas nunca eu me senti tão gigantescamente forte na minha disponibilidade. Você sentirá bem a minha liberdade de entrar nisso tudo sem um só compromisso, e apenas tendo de combinado, o plano comercial dos meus serviços técnicos. Em qualquer hora, quando o curso de um caso me for indestrinçável ou me parecer suspeito, – a demissão simples, definitiva, que me encontra livre de qualquer cadeia. Pois mesmo com o Plinio Salgado, em quem eu de resto confio muito, não tenho outro compromisso, que o do propósito amistoso de mútua cooperação.

De modo que eu respiro neste caso o ar leve e puro de quem não tem outros desejos que os de um trabalho real e idealista, isto é, desinteressado, e tem deveres assumidos apenas consigo mesmo, e todos deveres de não fazer, deveres que exigem renúncias e cisões, mas nunca subordinação e plasticidade, como no caso dos ambiciosos da riqueza ou do poder.

Mas parece que nós somos apenas desejosos, caro João, como aliás muito ilustramos no nosso passado universitário. Ambicioso seria assim, para ir colher o exemplo logo no seu expoente n+1, o nosso sorridente amigo Casemiro (+).

Mas já que falei em Universidade. Concordo com a sua aprovação à Reforma, ou melhor, à Exposição de Motivos, onde me parece que o Campos mostrou essa visão sóbria e compreensiva do problema, que lhe permitiu fazer uma lei aplicável, sem grandes voos, essencialmente para o presente. Em todo caso a Reforma tem sido atacada, mas alguns ataques, certos como o do Tristão, “á coté” do sentido pedagógico e administrativo.

O resto mal. E São Paulo, péssimo. Você leu o manifesto do P.D.? Por baixo desse desencontro de todas as forças torrentes que se cruzam em mil sentidos, há um lençol d’água, que não se confunde, e que se avoluma – é o comunismo. As torrentes cavam a terra, e o lençol cada vez está mais perto de ser atingido, e então as suas águas misturarão e dominarão todas as águas. Será um destino estranho de S. Paulo, se depois de ter feito materialmente o Brasil, com a Bandeiras, de o ter feito politicamente em 1822, o vier a matar dentro de poucos anos, ferindo-o de desagregação e de morte. Enfim…

Vou esperar a minha chegada a S> Paulo, para uma carta a você mais política e econômica. Esta está moral, conservadora, é o fruto da antevéspera da viagem, com o seu psiquismo próprio.

Você? Pelas cartas da Dulce, sabemos sempre como você vai. De saúde e de vida.

Um abraço do seu

Francisco