Querido Felipe,
Sua carta chegou-nos hoje, trazendo a mim e a Edméa grande contentamento. É verdade que ficamos preocupados com a Dulcinha, mas espero que os dias de Petrópolis tenham produzido resultado.
Aqui tenho tido melhoras bem discretas, talvez um pouco mais de resistência para andar, e uma orientação mais definida quanto à correção de postura e à recuperação respiratória. Não fomos ainda a Nancy (o médico está no estrangeiro até 5 de junho), e o que tenho feito são ginásticas e massagens no serviço da dra Peilhon, aqui em Paris.
Estou muito em dúvida sobre o que faremos daqui por diante. Após a visita a Nancy é que poderemos fixar uma orientação. O mais provável será ficarmos por aqui, com uma curta visita a Viena e a Roma.
Não temos saído muito. Passo as manhãs na ginástica, e à noite temos ido ver algumas peças ou filmes. Não há nada de muito importante no teatro. Do que vimos, o mais sério foi a Sta Joana de B.Shaw, bem representada. Amanhã, sábado, iremos à N. Dame assistir ao oratório “Pacem in terris” de Darius Milhaud, regência de Ch. Munch. Fomos a Lourdes no fim de semana último, viagem atropelada, mas muito bonita, de automóvel, atravessando a Beauce, a Touraine, o Poitou, a região de Bordeaux (dos vinhos Graves), as Landes e o início dos Pirineus. Na volta fizemos uma boa visita ao castelo de Amboise, e seguimos pequenas estradas bem mais interessantes que as grandes “routes nationales”. Pudemos ver o quanto se elevou o nível de vida do camponês nas regiões que atravessamos. Bem vestidos e bem equipados, cada um deles com um automóvel, que deixa na estrada, no limite do seu terreno, enquanto faz o trabalho agrícola. Terminado o dia, retornam ao “village”, onde moram. Toda a França, aliás, está no fastígio da prosperidade. Os operários saindo das fábricas, no fim do dia, atestam a mesma condição de vida; o número de planos de férias populares e a massa que sai nos fins de semana e nas férias, atestam o advento de uma nova era, em que o repouso ocupa lugar igual ao do trabalho, e exige para isso toda uma programação social.
Politicamente o país não dá a mesma boa impressão. O governo do General é de um personalismo exacerbado e irritante, mais construído sobre exterioridades do que sobre realidades. É, além disso, e sobretudo, um governo sem a menor mensagem universal. Por isso, talvez, represente para os outros povos tão pouco. Dele não vem nenhuma sugestão válida, nenhum caminho aberto, para resolver os problemas do homem no quadro da cultura e da economia de hoje. Um governo que só se propõe a restauração da grandeza e do prestígio do seu país, é hoje paroquial. O “gaulismo” se propõe a criar uma força histórica nova, mas ninguém vê de que modo essa força pretende operar em relação às verdadeiras grandes questões, as que tem que ver com a eliminação da pobreza e com a conquista real da liberdade, para ascensão do homem em sua condição.
Comprei aqui algumas coleções de diapositivos da Unesco, sobre catedrais, castelos, Mont St Michel, etc. São muito belos, e vem acompanhados de um texto escrito por especialista. Espero que os possamos ver aí, com o Kodak-carroussel.
Apesar de um isolamento voluntário em relação aos assuntos brasileiros, não posso fugir a uma permanente preocupação com o que se passa no nosso país. As declarações do Mo. da Guerra, qualificando a entrevista do Juscelino como comparável ao discurso aos sargentos, deixaram-nos intranquilos. Estamos no fim de maio, e ao que parece, o movimento revolucionário não alcançou ainda o seu sistema de pontos de equilíbrio.
Internacionalmente, a situação do Brasil é má. Ocorreu uma quebra de expectativa, e uma reclassificação do país no quadro da instabilidade Latino-americana. A vinda do Carlos Lacerda à França foi um pequeno incidente provinciano, que, ao que parece, se encerrará nas próximas horas com novo desprestígio para o Brasil, já que ele, representante especial do Presidente da República, não será recebido pelo De Gaulle e não terá com o 1º ministro nenhuma conversação (mera visita protocolar).
Diga a Maria Helena que Edméa lamenta frequentemente a ausência de vocês, e a falta da companhia dela, em especial. Peça aos seus irmãos que nos escrevam, pois as cartas daí nos são um grande alento numa viagem feita sob condições tão peculiares. Diga à Tote que o Duvernois veio visitar-me; tomou um “scotch”, referindo-se a ela com muita simpatia, e partiu em viagem de verão para Viena, e depois para as Baleares. Apreciei muito a visita.
Até breve. Beijos a Maria Helena e às crianças, Dulce, João e irmãos.
Do Papio
Maria Helena – como seria bom se você estivesse aqui para olharmos as lojas. Não tendo companhia, com as preocupações de hoje, não acho graça para ir só. Beijos para você e Felipe. Peçam a todos para escrever.
Ed