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A cultura atlética e o Brasil

Discurso proferido a 16 de março de 1942 na abertura dos cursos da Escola de Educação Física.

Reabrem-se, pela quarta vez, os cursos superiores de educação física da nossa Universidade; a ocasião é própria para examinarmos, já com a experiência deste novel ramo do ensino, o valor e o sentido da cultura física na Universidade e, portanto, na civilização brasileira.

O que representa para nós a cultura física? Que sentido lhe devemos imprimir em nossa Escola, para sintonizarmos essa força no quadro da educação brasileira?

Tem sido a cultura física um dos temas prediletos da moderna ciência da educação, e talvez do mundo de hoje. Empreendeu-se a princípio uma grande campanha para escoimar o espírito público e mesmo a mentalidade técnica, dos velhos preconceitos contra a cultura do corpo, de que estiveram imbuídos os nossos antigos; preconceitos dos quais, talvez o maior fosse apenas o descaso ou a indiferença. Criou-se, depois- pela inelutável lei que conduz as teses polêmicas a excederem o limite da legitimidade de suas reivindicações – a mística da educação física, e fez-se da higidez do corpo, da saúde perfeita, a base da própria perfeição moral, como do vício se quis fazer um epifenômeno da doença.

A famosa legenda mens sana in corpore sano, que só é admissível como expressão de um ideal, a que deve tender cada indivíduo, foi tomada no sentido falso e insustentável de uma relação de causa e efeito, em que a saúde do corpo fosse a condição necessária – senão a condição suficiente – da perfeita saúde da alma.

Tende-se hoje, afinal, para um ponto de equilíbrio; da excelência, da necessidade, do alcance da cultura física, não há mais quem duvide; na possibilidade de se tornar ela caminho da educação moral, já não há quem creia. O homem tanto se corrompe moralmente sob a influência de condições físicas contrárias, como se corrompe pela ação de fatores que apenas à vida moral pertencem, e que irredutivelmente se subtraem aos efeitos benéficos, tanto da educação física, como da educação intelectual. De sorte que a educação do homem envolve sempre uma ação total sobre a sua personalidade: exige o atletismo e o estudo, o conselho e o exemplo; e impõe desde a adequação do seu corpo ao meio em que ele vive, até a preparação da sua alma para a plenitude da vida espiritual.

Outra razão que contribui para o prestígio da cultura física no mundo de hoje é o exemplo que dela nos fornece aquela antiguidade grega e romana, a cujo modelo sem cessar nos reportamos. Já alguém notou que constitui singular raridade a devoção de uma cultura a outra, como esta que se observa, desde o Renascimento, entre a cultura ocidental e a clássica. Esse obséquio que nos faz buscar nos gregos e romanos lição para cada um dos nossos problemas não consegue, porém, vencer as irredutíveis divergências da cultura antiga e da moderna, ali estão com sentidos diversos que lhes transmudam a significação.

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