Aula inaugural dos cursos da Faculdade Nacional de Direito, em 1955
Agradeço muito desvanecido ao ilustre diretor desta Faculdade a honrosa incumbência, que me conferiu, de proferir a aula inaugural de 1955. Proponho-me dar desempenho a ela, tratando da educação jurídica e dos problemas do ensino do Direito entre nós, para os quais desejo oferecer, como simples ponto de partida para debate mais amplo, um esboço de solução.
O problema do ensino jurídico pode ser tratado como projeção, em campo mais particular, do problema geral do ensino superior, ou do problema da educação em todos os graus.
Não é esse, entretanto, o ponto de vista de que pretendo encará-lo. Pretendo discuti-lo como um aspecto ou projeção da própria cultura jurídica, e para isso examinar, primeiramente, o papel do Direito e da educação jurídica na cultura de uma comunidade.
SOCIEDADE E CULTURA
As sociedades se formam, assumem características e peculiaridades, e conseguem manter-se e expandir-se ao longo do tempo, graças aos meios de controle com que subjugam, de um lado, o mundo físico, que as rodeia, e do outro lado, o mundo social e humano, de que são formadas. Adquirindo o conhecimento dos fenômenos naturais e fixando processos para neles intervir objetivamente, orientando-os e captando-os em seu proveito, a sociedade desenvolve o que podemos chamar os seus controles tecnológicos, graças aos quais logra dar resposta aos problemas que lhe são lançados, como desafios, pela natureza. Adquirindo, por outro lado, o conhecimento do próprio homem, penetrando no seu mundo interior e cunhando normas para disciplinar e orientar subjetivamente a sua vida individual e comunitária, a sociedade desenvolve o que podemos chamar genericamente os seus controles morais, graças aos quais mantém a própria estrutura e consegue governar o emprego daqueles meios de domínio da natureza.
O acervo dos controles tecnológicos e morais constitui a cultura.
Se compararmos duas sociedades diversas, traduzindo dois tipos de civilização, verificaremos que muitas vezes numa delas se avantajam os controles éticos, sem que paralelamente se desenvolvam os tecnológicos. Foi o que sucedeu na civilização medieval, quando a sociedade contou com um arsenal de controles éticos superiormente desenvolvidos, ao mesmo tempo que decaíam os controles tecnológicos em relação à cultura anterior.
Outras vezes — e é o que sucede nos tempos modernos— expandem-se além de todos os limites anteriormente conhecidos os controles tecnológicos, ampliando o domínio do meio físico pela sociedade, mas não se desenvolvem paralelamente, antes declinam, os controles éticos indispensáveis ao próprio governo do novo poder do homem sobre a natureza.