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Discurso de Posse na cadeira de Direito Civil

Discurso proferido a 30 de agosto de 1940 ao tomar posse da cadeira de Direito Civil da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil. 

Eu faltaria com a verdade para comigo mesmo e para convosco, se vos dissesse que esta grande hora é, para mim, uma hora de contentamento. Os caminhos do coração são difíceis. Os sentimentos formam, não raro, dentro de nós, combinações que não deciframos.
A alegria é que me invade, certamente, quando me ponho a considerar a desmedida recompensa que esta cátedra representa para os estudos a que dediquei a juventude. Com alegria, revejo neste instante os anos ainda próximos da minha vida acadêmica, quando se me impôs, como uma sugestão irresistível, o ideal do magistério jurídico. Revejo muitas cenas desses tempos de estudante, rememoro o formar-se das esperanças e das ambições, sinto de novo ao meu lado o apoio dos que me encorajaram, e vendo chegar tão cedo a recompensa extrema a que aspirara, não posso dominar o júbilo que me enche o peito, e meu pensamento parte ao encontro de meu pai, que a esta hora, no seu veleiro, está singrando o oceano.
Se, porém, me concentro sobre o sentido desta cerimônia, uma ideia grave não tarda a vir mudar o rumo destas emoções. Sinto que ao ocupar tão cedo esta cátedra, não estou apenas vencendo uma etapa da minha carreira, mas estou escolhendo e assumindo o meu destino. Ora, o encontro do homem com o destino não se dá sem amargura. Pouco importa saber que combatemos para o alcançar. O que pesa em nós é um sentimento indefinido e irresistível; talvez nesta nossa condição humana, plasmada na hesitação e na dúvida, é o sentimento que nos deixa a renúncia à disponibilidade em que um momento antes nos achávamos. O que experimento agora, meus senhores, — e vós escusareis que antes de vos dizer os meus propósitos, eu vos comunique as minhas emoções — é precisamente esse sentimento de que terminou a disponibilidade dos primeiros anos, e de que o destino se enunciou diante de mim como uma lei, definindo a posição e o rumo dos meus trabalhos futuros. Professor é o que serei; a existência do professor será a minha existência; meus ideais, meus trabalhos, minha vida pública, quero que se contenham no professorado, e, se possível, que dele irradiem.
E é aí que um terceiro sentimento vem combinar-se ao júbilo e à secreta amargura que esta solenidade encerra para mim. O entusiasmo, não o que transparece numa exaltação externa, mas o que faz ferver nas veias as nossas energias mais profundas, enche-me o peito de estímulo para trabalhar ao vosso lado e partilhar a tarefa que vos impusestes, de estudar e ensinar o Direito.
Essa tarefa assume nos dias de hoje um sentido e um alcance que em raras oportunidades históricas tem tido: vivemos em quase todos os países sob o sentimento da inutilidade do Direito. As lutas sociais, as grandes revoluções que inclinaram aos seus ideais políticos os sistemas de Direito Positivo, as guerras que fizeram tábua rasa dos princípios e formas do Direito Internacional, reacendem no espírito público a opinião de que a norma jurídica é de uma fragilidade que a torna inútil e de uma versatilidade que, a bem dizer, a identifica com o arbítrio do soberano. 

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